segunda-feira, maio 31, 2004

eu podia fazer uma longa lista e talvez isso explicasse um pouco. não sei. essa adepta de shiva me disse que eu era um humanista. e isso explicava tudo. eu estou apegado a essa poeira toda. o mundo é um rizoma, é um fractal, uma explosão niilista, é o próprio caos e eu compro vinis cada vez mais velhos.

dizendo ainda de outra maneira: que importância tem saber quem era o diretor de fotografia de orson welles, o baixista de bill evans ou exatamente como hemingway se matou? nenhuuuuuma, eu sei. mas não posso nem quero abrir mão disso. se eu esquecesse tudo isso eu seria ainda eu, mas eu não me reconheceria.

talvez na próxima vida eu raspe todo meu cabelo, tenha possessão nenhuma, me importe com nada. mas não nessa, folks. let me enjoy it a little.
deus morreu e antes ele do que eu, mas eu tenho meus bezerros de ouro
nesse meio tempo, fran escreveu um manifesto. vou fazer conexões aqui e publicar um pedacinho. você pode ler inteiro aqui. dudu foi mais generoso e publicou todo.

conexões, então. uma dessas conversas infindáveis que tive nesse findi foi com uma insana, dessas que em um minuto te entendem até o osso e você se vê nu. tem um longo histórico, essa. morou na índia, teve alguns mestres, etc etc. e falávamos sobre essa coisa, essa fraqueza de você se apegar às suas circunstâncias, de você acreditar na persona que construiu ao longo do tempo. eu dizendo que sei disso, mas que não estou pronto para me despir de minhas referências, meu microuniverso que me mantém vivo e são. ela defendendo shiva, a destruição, o supremo let it be.

pois hoje Fran me aparece dizendo, entre outras coisas -
eu não sou inocente, nem ingênua, nem criança, nem adolescente, nem adulta, nem velha, nem homem, nem mulher, nem tenho religião, nem pátria, nem versão oficial, nem versão tablóide, nem raça, nem condecoração, nem opção sexual, nem partido político, nem vocação, nem time de futebol, nem movimento
artísitco, nem ideal, nem sonho de consumo, nem marca predileta, nem talento, nem fã-clube.
como eu sempre digo. vestida de zero. Nós não precisamos ter objetivos. Vamos parar de sofrer por isso e aceitar essa liberdade.
Nos soltaram no maior hospício do universo.


eu lembrei dessa música do philip glass:

If you had no name
If you had no history
If you have no books
If you had no family

If it were only you
Naked on the grass
Who would you be then?



tudo isso carecia de páginas e páginas para ser debatido. mas minha posição ainda é: não estou pronto para o supremo let it be. eu preciso ainda de alguns pontos de referência, eu preciso acreditar em algumas coisas, eu temo o vácuo. eu sei da absoluta falta de importância da maior parte das coisas a que damos importância, mas dar importância a elas me mantém são.

eu vou pensar mais sobre isso e volto.
ainda não sei o que fazer desse fim de semana. foi tão raro. um encontro com amigos emendou com outro e com outro e parece que passei o tempo todo falando e bebendo vinho. e foi mais ou menos isso. (aliás, essa é a graça de uma cidade tão pequena. se você sair pra rua, vai encontrar alguém que conhece e os fatos se precipitam.)

sei que gilles deleuze me foi jogado na cara duas vezes (e eu que não leio nada de teoria), que minha identidade foi questionada, que o consumo de substâncias foi enorme e que foi tudo mais raro. detalhes podem surgir na sequência.

quinta-feira, maio 27, 2004

deixa eu dizer uma coisa: quid pro quo, como dizia o canibal. se vocês, meus silenciosos leitores, não começarem a deixar pegadas nos comments vou me sentir de novo falando com as paredes. esse blog, como qualquer um, é um esforço comunicativo. mandem sinais de fumaça!
shiva, as sete musas e as infinitas bellas

quem lê isso tudo, e me vê falando das musas e das bellas (duas categorias diferentes - as musas geralmente são belas, mas nem toda bela é uma musa)pode me achar obsecado, ingênuo ou tarado, dependendo do ponto de vista.
não é como eu vejo a coisa.

minha percepção é a seguinte: você faz o que quer (ou o que pode) com as experiências que tem. algumas pessoas preferem baratear tudo. além de poder desprezar o que não possuem, parecem encontrar algum conforto no reducionismo.

eu costumo ser retrospectivamente fiel às mulheres que me tocaram. e com exceção de uma louca ou duas, tenho carinho por todas. além de encontrá-las muito superiores aos homens, a vida se fez infinitamente mais interessante graças a elas. you´ve gotta cherish that.



isso para não mencionar que um dia você vai ser um velhinho que se coloca no sol para não mofar e essas memórias vão ser preciosas, meu amigo.
ah, além de tudo ela tinha uma risada sem igual.

(digo tinha na minha memória. imagino que em algum pub londrino ela ainda ri da mesma maneira.)
redhaired muse comes back
eu andava sempre cuidando quando Consu ia voltar de férias e voltar ao seu blog. ela voltou e além de tudo sonhou comigo. wow. alegria à distância. de londres ganhei um abraço que não senti, mas vá lá, já é alguma alegria.

consu foi uma das sete musas da vida desse que vos fala. por motivos vários, incluindo a habitual inoperância pisciana, nunca passou disso. hoje acho melhor assim. além de estar bem casada, she was so oooout of my league.como já disse alguém, perigosas mesmo são as mulheres que tem curvas na alma.
queria achar um desenho que fiz dela, com uma cabelo flamejante vermelho. além de ser a bela sinuosa que ela é, com um andar deslizante que nunca vi igual, escreve bem, a bastarda. vá lá e descubra.

segunda-feira, maio 24, 2004

ainda sobre os vampiros, só para não fazer o outro post por demais longo - outra coisa que me toca ali é que os imortais lêem uns aos outros à distância e em silêncio. como nós podemos fazer. mas não fazemos. há uma dignidade nos encontros deles que vem disso. de aceitação da natureza alheia, do reconhecimento, de coisas que não precisam ser ditas.

isso me veio à mente por conta de um encontro na sexta, não com um vampiro, mas com nova bella. aliás, bela mesmo essa. fui acho que principalmente para descobrir se havia algo além desse véu de maya da beleza. mas aí está a questão. nós colocamos palavras demais entre nós. que impedem esse reconhecimento. não vou dizer que deveríamos ficar como telepatas nos olhando por uma noite, mas falar um pouco menos abriria espaço para um tipo de entendimento mais imediato, menos raso.

mas a bella estava inquieta, dobrava guardanapos de papel incessamente, sorria além da conta, falava mais do que precisava. saí de lá com o sorriso dela impresso como o do gato de alice, mas sem saber de nada além disso.
vampiros e canções ao entardecer

duas coisas da cultura, vindas do fim de semana - duas defesas, actually.

primeira - burt bacharach não é ray coniff. ray coniff é um velhinho entusiasmado, que faz um pastiche inofensivo que passa por música. burt bacharach é um compositor maravilhoso e grande arranjador. parece difícil de levar a sério, mas é. confesso que precisei que alguém me mostrasse isso. elvis costello fez um disco com ele. um disco por demais lindo. chama-se painted from memory. e agora comprei um vinil antigo de burt e é um primor. as canções, as peças orquestrais, os badabadaba...

a segunda é que estou de novo imerso na saga dos vampiros, de anne rice. relendo, ou trelendo, sei lá. descobri de novo que acabando um volume, você precisa imediatamente correr para o próximo, mas é mais do que isso. a maneira como cada um dos vampiros em particular enfrenta a imortalidade é um reflexo de como cada um de nós encara a vida. com volúpia ou distanciamento, aprendendo ou não aprendendo...não estou aqui pra dizer que é literatura. mas como tantas coisas do mundo pop, há mais do que essa superfície polida maravilhosa sobre a qual deslizamos. qualquer um de nós que andamos pelo mundo walking wounded, como dizia EBTG, que nos afastamos um pouco para olhar o mundo, encontramos algo nesses imortais que nos toca. esses seres removidos da existência e que por isso mesmo ficam tão mais conscientes dela.

quinta-feira, maio 20, 2004

prestar atenção e mesmo se identificar com um jingle é algo muito triste, mas acontece. até porque eles trabalham exatamente para isso - identificar nossos desejos mais íntimos e os identificar com seu produto.

pois é assim que me vejo lembrando dessa musiquinha da coca-cola onde um youngster da vida em um concerto orgasmático imaginário canta lá de cima: ser feliz é uma parada que me interessa.
trocando o parada da frase por algo mais digno, faz muito sentido pra mim. parece muito óbvio, mas não é sempre que estamos dispostos ou interessados em ser feliz. eu estou, definitivamente. é uma novidade pra mim. eu sempre ambicionei a dignidade do sofrimento, a elegância da melancolia, etc. agora estou muito interessado em ser feliz.

isso como prelúdio a comentar que a bella veio me dizer o quanto eu era especial, yada yada yada e você já sabe como isso acaba. (tem uma história ótima do feiffer sobre isso: uma página que é feita de um homem e uma mulher conversando e ela diz para ele: jim, esse tempo que passei com você foi ótimo. você foi compreensivo, afetuoso, me entendeu, me aceitou, me ouviu... agora eu posso voltar para os homens.)

resumo: me permiti exato uma noite de tristeza sobre ser "especial e etc" para a bella. no outro dia eu estava ligando para outra bella. talvez eu esteja aprendendo com o exemplo de maria. talvez eu esteja mesmo mudando pra melhor. quem sabe. é uma parada que me interessa.

quarta-feira, maio 19, 2004

o sol abre um espaço no frio quase sólido. andamos curvados e esfregando as mãos. encarangados, palavra tão sulina.

terça-feira, maio 18, 2004

hoje levei almoço para a bella. uma daquelas pequenas atitudes que descrevia maria, que almoça cup noodles no escritório e certamente apreciaria o gesto. o almoço tinha também amigas e alguém falava sobre enxergar os arquétipos, sobre navegar pela vida entendendo os padrões. eu lamentei o quanto me parece que ando tropeçando pela vida, sem ter essas sinalizações e ela me disse - sim, mas você cria.

não sei se é resposta. philippe djan dizia que era impossível escrever um livro e amar uma mulher. eu me pergunto. eu sempre posso me trancar em casa e passar os dias desenhando, mas eu quero a felicidade ao mesmo tempo. é querer demais?
então. um amigo pensou que maria, citada abaixo, fosse a bella supracitada. não é. a bella é, digamos, o sujeito oculto desses posts, mas ela é esquiva e nem sabe dessas palavras. ela vive no mundo e não parece ter a necessidade que temos desses mundos virtuais.

maria, por outro lado é um espécime tropical por demais vital, que me chamou tão apropriadamente de "europeu de pelotas". muito justo. carioca, sem conhecer pelotas, ela entendeu exatamemte o espírito dessa cidade, de casarões decadentes e atitudes idem.
enquanto isso, eu circulo a bella em um ritual autopunitivo de aproximação que, como disse, convida à tragédia.

vá lá, tragédia é por demais. mais um pequeno naufrágio, no máximo.

segunda-feira, maio 17, 2004

isso parece mais um assunto para maria, mas vá lá: passamos pelo embaço e embaraço do segundo encontro. aquele momento terrível em que não existem ainda rituais estabelecidos, terreno em comum, uma estética, uma ética, um passado mínimo.

o local não podia ser mais adverso também: uma faxina. nem minha nem dela. então ficamos os dois tropeçando um no outro a cada 5 minutos, meio sorrindo meio fazendo caretas enquanto carregávamos objetos de uma peça para outra.
fiz o que faço quando não sei o que fazer: cozinhei. saí do caminho dos que trabalhavam, me tranquei na cozinha e saía de lá de vez em quando com petiscos. ajudou um pouco. mas a noite foi longa.
depois fui para casa com ela sem saber muito bem se merecia, se ela achava que eu merecia, etc. não dormi nada. parti de manhã como um ladrão, sem saber de nada. as usual.
é o sucesso! recebi meu primeiro hate mail. fiquei realizado. alguém leu meu site de quadrinhos, e me mandou essa gentil missiva:

Muda de provedor, esse é uma porcaria, e deixa de ser um pseudo-intelectual.
Seus conflitos pessoais não interessam a ninguém e vai ouvir jazz, vai.
Você acha que está na América seu nerd?

Ass: João Bafo de Onça
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a gente torce nessa hora por uma coisa com mais erros de português, mas enfim. cada um tem o hate mail que merece.

terça-feira, maio 11, 2004

a questão do celular nos relacionamentos: william gibson, que foi ao futuro e voltou, reportou de lá que as mensagens por celular se tornariam parte fundamental de como as pessoas se relacionam. isso foi há uns 8 anos atrás. a porta para o futuro dele foi uma ida a toquio, que está digamos uns 10 anos na nossa frente. e você vê isso acontecendo hoje por aqui.

pessoalmente, eu acho uma revolução maravilhosa. você pode escrever uma mensagem de um café. aliás, você pode escrever de pé, na rua. esse aparelhinho tão próximo do seu corpo vai mandar esse bilhete praticamente em tempo real. e as mensagens... eu busco a mensagem perfeita, feita com palavras curtas, que caibam exatamente na tela do celular, quase um haikai. eu acho que é uma forma elegante e íntima de comunicação. e em minha caixa de mensagens eu vejo documentada a ascensão e queda de um relacionamento, com mensagens progredindo de leves e irônicas para densas e aflitas até chegarem a ser breves e um tanto dramáticas. (você vê aí meu gosto para o drama, claro.)

eu achei que tínhamos chegado a um ponto crítico quando vi que a primeira mensagem dela, uma coisa flertativa sobre ter roubado meu isqueiro, se unia na memória com a última, aflita e definitiva. até que a mensagem de uma outra bella caiu exatamente entre as duas. e eu não sei mais o que isso significa. se a vida segue ou se estou prestando atenção demais a detalhes insignificantes.
this is not a love song, dizia a letra. como isso não é um diário amoroso. mas um registro de um encantamento. como todos, pode sumir. o diário tanto quanto o encantamento.

hoje ela estava na janela quando passei, trabalhando de costas. fui impulsivo, o que é raro para mim. liguei para ela e fizemos uma pequena cena romeu-julieta com celular. depois subi e fiquei como um adolescente nervosíssimo, sem saber onde pôr as mãos. recusei um café porque sabia que não conseguiria segurar a xícara. ao mesmo tempo, felicidade absurda quando desci. fiquei na rua fumando, iluminado. mandei para ela (de novo o celular, teria que fazer todo um post sobre a presença do celular nos relacionamentos modernos) um pedaço da lovesong do the cure: whenever I´m alone with you you make me feel like I´m young again. depois fiquei impossível e mal conseguia trabalhar. a droga que é a substância do encantamento correndo pelas veias. felicidade insana e precária. desastre por acontecer a qualquer momento. pergunte se eu me importo.