segunda-feira, julho 23, 2007

Outra orelha de minha culpa, essa para o livro de André Dahmer para a Desiderata, em breve nas melhores livrarias, etc.

Incrível como eu demorei para entender o Dahmer. Lembro de Melissa e Gabi me mostrando coisas dele anos atrás e eu não percebia. Lento, eu.



Um humorista que não ri

Buster Keaton foi imortalizado como o comediante que não ria. Dahmer também não ri. Pessoalmente, ele é sério como um médico que vem nos dar más notícias. Seus temas também não são engraçados. Genocídio, miséria, abuso, álcool, o desespero da condição humana. Porque rimos então ao lê-lo? Porque milhares de internautas voltam todos os dias ao site dos Malvados, em busca de mais? Porque é mais crocante ou porque vende mais?
A resposta, como costuma acontecer, vem dos mestres. Millôr, neurocirurgião da graça, escreveu O Decálogo do Verdadeiro Humorista. Está lá, no item I: O humorista deve ter pudor de fazer graça. Ou no III: Para escrever, o humorista deve escolher sempre o assunto mais sério, mais triste, mais chato ou mais trágico. Só um falso humorista escreve sobre assuntos humorísticos. E assim por diante. Se esse fosse um teste da revista Nova, Dahmer teria passado com 10.

Assim como Keaton, que com seu humor físico e sua fachada esculpida de seriedade fazia a platéia rir dos absurdos e injustiças da vida moderna, Dahmer, com sua moralidade indignada, nos faz rir de nossa preguiça, vaidade, estupidez e todos outros pecados que estão no catálogo da raça. E dessa vez, é nossa cara que está lá. Os malvados, com sua aparência enigmática de flores perversas, eram uma máscara que podíamos vestir ou não. Nesse livro, eles tem cara. A minha, a sua, a de todos nós. No livro negro de Dahmer, somos todos malvados. Só nos resta rir.

terça-feira, julho 17, 2007

Como dizia Mário de Andrade, se o escritor mostra o que escreve, é por vaidade. E se não mostra, também é por vaidade. Então, com plena consciência do pecado, vou mostrar aqui umas letrinhas minhas que tem sido impressas: sou o orelha-man informal de alguns livros da Desiderata. É uma das (muitas) alegrias do clima informal de nossa editora, que possamos fazer coisas assim, de graça e por graça.

Essa aqui escrevi hoje, de um de nossos próximos livros, a Antologia da Lapa.


Cabarés, madames, malandros e poetas: a Lapa em preto e branco

Os arcos da Lapa, esse inesperado cenário romano na antiga capital do império, fazem parte da imagem do Rio de Janeiro como o Cristo Redentor. Mas ao contrário do Cristo, que simboliza o Rio todo, de ontem e de sempre, eles são só da Lapa. E são símbolo de um outro tempo. Como Roma, a Lapa teve seu apogeu e decadência. E se agora ela ressurge, reinventada e de novo adotada pelos cariocas, ela certamente é outra.

A Lapa de que fala este livro é o bairro mítico, boêmio, em preto e branco, que a maior parte de nós não viu. E quem melhor para nos guiar por suas ruas escuras e movimentadas do que esses protagonistas fabulosos? Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Di Cavalcanti, Rubem Braga, Antônio Maria, e outros nos levam por esses becos e ruelas onde Madame Satã amava e enfrentava policiais, Villa-Lobos tocava piano nos salões enfumaçados das pensões e Manuel Bandeira escrevia seus poemas com um olho melancólico na festa que acontecia debaixo de sua janela. Como na Paris dos anos 20, até a pobreza era charmosa e as prostitutas, francesas.
Cantada em prosa e verso e contada por seus protagonistas, essa época fabulosa da qual só os arcos restaram, está nas páginas deste livro.
A cena do dia: enquanto eu e Jana andamos pelo centro, paraíso perdido e horror muito encontrado que ela adora e eu suporto estoicamente, vejo o jovem funcionário público. Um grupo de sub-burocratas se encaminha para o almoço, naquela solidariedade masculina abastardada - o humor sexual da empresa, as piadas sobre a funcionária nova, as tentativas de fazer as horas cruéis se arrastarem menos - uns dois passos atrás do grupo caminha o jovem funcionário público, já vestindo as roupas do seu grupo, mas com uma tristeza do tamanho do seu futuro interminável. a franja de frequentador de shows de rock, aquela face pálida de quem nunca vai à praia e uma expressão desolada sem fim de quem vendeu seu tempo e sabe quanto custou.

segunda-feira, julho 09, 2007

jana contou: fomos ao cinema. oh, ato banal. como uma coisa precisaria de comentário? mas sim, em um mundo de dvd, de séries baixadas pela internet, de consumo e de amor ao seu sofá, para nós foi um retorno à aventura. meses sem ir ao cinema. como uma coisa dessas acontece?

foi bom. lembrei como é. e ratatouille é fenomenal. há uma atenção ao detalhe ali que é uma coisa de outro mundo. da culinária, que faz sentido visual (a textura de cada cogumelo, de cada panela de chef é perfeita) - da chef que tem uma vespa (como os chefs do mundo de fato), do desenho meticuloso mesmo do personagem mais secundário - se a câmera está passando, dá tempo para fazer um deboche ao mímico-francês-de-parque, em uma visão de meio segundo...e, claro, se você ama comida como eu amo, o filme é bem mais tocante. o discurso final do crítico é emocionante e fenomenalmente bem escrito. e remy, ah. viva remy, o rato gourmet.