segunda-feira, abril 29, 2002



Delícias suburbanas: no final de um dia frio, sob uma chuva fina, encontrar no caminho de casa em um mercado suspeito, uma quantidade razoável de garrafas de Miolo esperando quietinhas na prateleira, sob uma etiqueta muito razoável de preço.

Em casa, do lado de uma taça, ouvir Norah Jones, a nova delícia folky-jazz, com sua voz de Carole King jovem, direto do site da Blue Note. Às vezes, a vida não é tão complicada.


E minha sugestão é que você vá lá e ouça também. Norah Jones.

Depois de passar a manhã imerso em html, sair pra almoçar lembra matrix. Você olha para o mundo com uma certa estranheza, desconhecendo as dimensões de espaço e secretamente torcendo para que o mundo podesse ser organizado como código.

Não é. E depois de um almoço pouco inspirado, alguma linha de instrução em java ou flash faz cair uma chuvinha fina.

sexta-feira, abril 26, 2002



Sou uma antena e fico louco na lua cheia. Isso parece poema de quinta, mas são só os fatos. Fico andando pela casa, torço as mãos e olho para as paredes. Ou saio de casa e bebo muito, mas há sempre o dia seguinte. De toda maneira, não há solução. Posso me torturar e pôr Cassandra Wilson cantando Harvest Moon ou me fingir indiferente e assistir tv, mas dá na mesma. É uma angústia indissolúvel, um desejo de que a vida seja subitamente mais interessante que esse caldinho ralo pra doente, essa sopinha de hospital. Deitado, fico olhando o teto infinitamente. Na rua, fico andando como um homeless desorientado. Ouço tambores lá fora.

quinta-feira, abril 25, 2002

Caterina, que não podia ser mais fina do que é, está na França e conta sobre as manifestações anti LePen. Para leitores em inglês, vale dar uma olhada.

domingo, abril 21, 2002



é domingo, mas serei breve

É domingo, e sempre se está um nível acima. Ou abaixo. Pra mim é sempre assim. Ou estou na lama, vendo seis horas de televisão até a total numbness ou estou naquele mundo rarefeito das idéias, abraçado com um livro, ouvindo uma ninfa cantar, como agora Anne Sofie Von Otter, com essa voz que não é da terra. Hoje é um desses dias rarefeitos, thank god, o ar frio entrando pela janela, o mate ao lado, vários livros velhos novos me cercando, pousados no braço do sofá. Eles me dão conforto só com a presença deles. Às vezes são semanas até que eu abra algum e um visitante ocasional poderia pensar que é alguma forma de esnobismo cultural, mas é conforto puro. É a idéia dos livros, o amor aos objetos que eles são, que Caetano cantava.

E esse post nasceu de uma carta para José Flores, que fez sentido pra mim alguns instantes depois de ter sumido da minha tela, então fico com a impressão de que havia algo significativo que esqueci de reescrever, mas agora está borrado como nos sonhos. Que seja. É domingo, after all.

quarta-feira, abril 17, 2002


Eu estou apaixonado por um livro, um livro ordinário que ninguém ouviu falar e que eu comprei em uma oferta, em um estado pra lá de lastimável. Chama-se The Moviegoer e eu estou arrasado que ele vá acabar. Tenho prolongado essa agonia tanto quanto possível, mas como dizem os profetas do apocalipse, o fim está próximo.
Esse é sempre um momento traumático para os leitores. Você vai ser expulso de um mundo familiar, que você aprendeu a amar. Claro, você sempre pode reler, mas há uma sensação de trapaça. E as cenas se repetem. Não sei se como farsa, como na ilustre frase, mas sem o mesmo brilho. Não, a primeira leitura é tragicamente irrecuperável.
O livro é cuidadosamente não-estrelado por Binx, o moviegoer do título, alguém que falseia tanto quanto possível para não viver de verdade. Ele engana. Ele tem um trabalho aquém das suas possibilidades intelectuais, tem affairs com as secretárias e quando a vida ameaça se manifestar, vai ao cinema. É o suficiente para que a vida, de fato, não aconteça. Quem não consegue se enganar é Kate,uma meia-prima de Binx, que vê através de todos esses esquemas e, amparada por uma herança razoável, escapou do trabalho, do casamento e de tudo que pudesse distraí-la. Tragicamente, eles não conseguem gostar o suficiente um do outro para que algo aconteça. Cada um fareja o farsante no outro. Então eles falam sem se falar e se entendem em silêncios e em alusões obscuras, pequenos jogos mentais sem humor que não servem de consolo. Kate está mais próxima do abismo. Binx assiste e preferia não assistir. Entre uma secretária e outra ele chega a pensar em casar-se com ela, com uma salvação patética para os dois.
Patético é esse resumo, mas é o tipo de livro que não pode ser resumido. Eu antecipo que não há solução possível para o enredo, também, e que eles vão simplesmente me abandonar, me deixando com minha própria vida para cuidar. Então eu leio meio capítulo, em um momento cuidadosamente selecionado e lamento mais um pouco.

A vida secreta dos garçons
Um garçom atinge a perfeição quando encontra o equilíbrio entre a invisibilidade e a presença e quando você não consegue imaginá-lo em outro lugar.
Acredito que encontrei o garçom perfeito. Ele trabalha no bistrô do Margs. Sutil, simpático sem ser excessivo, conhece o cardápio e tem piadas milimétricas com os clientes. Consegue te trazer aquele conforto de ser reconhecido, lembra de qual foi a última sobremesa que você experimentou e eu não conseguia, de maneira nenhuma, imaginá-lo fora dali. E o almoço foi impecável como sempre. Um minúsculo expresso com chantilly (dois, na verdade) selou/selaram o momento. Voltei pra rua curado de meu mau-humor e deslizando entre os pedestres. Viva a Slow Food.

quinta-feira, abril 11, 2002



O fim do mundo
Acordar com uma sensação apocalíptica que custa a se desfazer. Por algum motivo qualquer, um filme que narra o último dia na terra vem à minha mente ainda na cama. O que você faria, como pergunta o infame Paulinho Moska, se esse fosse enfim o último dia?
No filme em questão (esqueci o nome - O último dia?) a população sabe a data exata do fim e reage de maneiras diferentes. Há famílias fingindo que é natal, casais tentando achar um conforto final no sexo, alguma convulsão social pelas ruas... gosto de um personagem que tem grandes dilemas escolhendo a música que vai tocar no momento exato. Ele escolhe um Bethoveen, se não me engano.
E quando saí para a rua, atrasado e sonolento, o dia tinha uma dessas iluminações ambíguas, quando o céu branco é atravessado tanto por nunvens cinzentas quanto por raios de sol saídos do nada. Na parada, um ônibus abre suas portas exatamente à minha frente, mostrando um interior desolado e vazio. Embora minha mente saiba que não é o fim, a impressão não se dissipa. São 10:30 e ainda sinto como se o mundo fosse acabar.


(A foto de fim de mundo veio do www.in-public.com e é de Trent Parke)

quarta-feira, abril 10, 2002



Há um relato de que Sartre preferia a companhia de uma mulher bonita à dos seus amigos intelectuais, a qualquer dia. (E a santa Simone que se virasse).
Não chego a tanto, mas me deixa mais tranquilo em dizer que sim, sou afetado pela beleza. Como presença, digamos. Não que eu saiba lidar com ela. Na verdade, fico profundamente paralisado. Difícil entender o que significa a beleza, de fato. Ela gera um estranhamento, uma distorção da percepção, por assim dizer.
O que é uma forma complicada de dizer que fiquei meio tonto ontem conhecendo uma bela.

domingo, abril 07, 2002

Mais um longo texto sobre o nada.
(Eu culpo os domingos por isso. Ou excesso de café. Ou os dois.
Acredite, você tem minha compreensão se não ler.
Tente na terça, deve estar melhor. Segunda eu vejo muita tv e fico melhor.)



Domingo pode ser como o começo de Perto do Coração Selvagem, onde Joana tenta agarrar o ar entre ela e os móveis, olha para as paredes e se desespera e pergunta – Pai, do que eu brinco agora?
O dia pode se esticar pra sempre, se você deixar. Simplesmente olhar pra fora da janela, e ver uma parede branca como eu vejo e se espantar que o momento não passe.


(Se existe algum título mais bonito do que Perto do Coração Selvagem não lembro agora.)


Voltando ao que eu dizia outro dia: me sinto dentro de uma enorme pausa. Nem música, por semanas.
A criação, quando acontece, traz a ilusão de algo acontecendo em sua vida. O tipo de sensação que outros extraem de relacionamentos, empregos, preocupações. Ninguém está pronto para enfrentar o vazio total, a falta de significado, a inexistência de um caminho. Talvez o mestre zen esteja, mas ele morreu no japão faz tempo. Hoje as pessoas se ocupam com o zen como se ocupariam com marcenaria ou com a bebida.
Mas o do que fugimos, em última instância? Da ausência mesmo de significado? Do que o zen chama de void, o vazio infinito? Alguns capítulos de um livro sobre zen: “Sitting quietly, doing nothing” “Empty and marvellous”. Podemos chegar lá? É possível, para um ocidental contemporâneo, criado no tempo da mtv?


Uma conclusão parcial é: há níveis de tolerância para o vazio. Algumas pessoas entram em pânico se tiverem uma noite livre. Outras só começam a se afligir depois de semanas. Talvez, talvez, alguém na terra consiga viver sem planos. Ou ocupações. Viver, só.
Não se trata, efetivamente, de sentar-se em frente a um riacho por toda a vida, caso você esteja me lendo muito literalmente. Mas de não fazer coisas por medo do monstro debaixo da cama, o Vazio. De que nossas atividades não sejam como uma fogueira pra espantar animais selvagens.


Como consolo, se você acha que fracassei completamente, uma das velhas máximas do zen:

Aqueles que sabem, não falam.
Aqueles que falam, não sabem.


Então...

quinta-feira, abril 04, 2002

O que todo criador sabe é que quando você está criando - quero dizer realmente dedicando todas suas horas livres a um projeto - você não precisa se perguntar porquê. A vida faz sentido naturalmente, o sentido é a criação. O tipo de certeza que os pais tem, eu suponho. Criar um filho dá tanto trabalho que não dá pra pensar no sentido da vida.
Abri um espaço, um recreio da criação. Me pergunto se é longo demais. Umas duas semanas que tenho as noites livres de novo. Chego em casa e mesmo minha casa parece perguntar E daí. Cresce o desejo de novo de acalentar um projeto, de ter um tema correndo por sob a superfície. O tipo de momento que você percebe que não cria para os outros, cria para que sua vida se sinta justificada. Ou para viver em um mundo mais interessante, diferente desse descrito abaixo.
Acredite, os motivos de um criador são profundamente egoístas.
O hábito de ligar a tv pela manhã e ouvir os telejornais enquanto tomo café e me arrumo. Parece saudável, mas ando duvidando. Tenho achado mais difícil ir para o mundo depois de ouvir sobre assassinato de menina em escola, revolta de presos, guerra no oriente médio, sequestro... Cada vez que vejo alguém com um bebê então, fico pensando de onde sai a coragem de pôr uma criança no mundo. Nesse mundo.
Nós brasileiros, em particular, acho que vamos para um círculo especial no céu ou no inferno, por termos transformado o paraíso que recebemos nessa terra de ninguém. Mas pode ser meu humor que anda alterado. Júpiter em conjunção com saturno, sei lá.

quarta-feira, abril 03, 2002

E já que estou em um momento promocional, vou convidar meus três leitores para ir até o tvjunkie, meu outro site, onde descrevo, lamento e elaboro sobre meus hábitos televisivos. Acabei de postar ali sobre o final do Big Brother, em um tom O-Fim-Está-Próximo.

terça-feira, abril 02, 2002

Não há dois blogs iguais. Enquanto o meu, nos seus piores momentos, pode parecer frio e pretensioso, o de Melissa consegue manter uma urgência e um humor ácido constante. Vale a pena ler o relato-quase folhetim da falta de luz dela. O blog como relato minuto a minuto de uma situação, intermediado pelo grlll humour. Enquanto isso, o de tem a objetividade jornalística que não nega a profissão e o de Jorge, bom, é a cara do Jorge. E está cada vez mais colorido e escandalosamente bem realizado. Que é porque estamos (eu e Jorge) tramando um mini-portal que una essas identidades tão diversas. Soon.

segunda-feira, abril 01, 2002

Não consigo superar meu fascínio com as rádios da internet. Trabalho nesse momento ouvindo a Rádio Cave, que toca só os velhos mestres do blues. Gente com nomes como Old Blind Ernie ou coisas assim. Alguns tem o som chiado de uma eletrola do passado. E saem das caixas do meu computador. Há um paradoxo maravilhoso aqui. Sem falar no aspecto puramente prático. Nos últimos dias já trabalhei ouvindo rádios de música celta, africana... o que você imaginar. Duas favoritas: Wumb FM, que toca só folk e LiquidSoul, que toca todo esse soul moderno -Maxwell, Eryka Badu... A fonte do tesouro é no Live365, uma central de rádios que é como as bibliotecas de Borges. Ou o Livro de Areia dele. Mundos, universos de música. Se perca.