há uma arte em ser invisível. eu estou fumando em frente ao trabalho, retardando o momento de entrar quando ela passa. um segundo depois eu a teria esquecido, se não tivesse feito um esforço. tudo nela busca o esquecimento.
ela passa na diagonal, pisando sem fazer barulho. o obrigado que sussurra ao porteiro não é mais do que o movimento dos lábios e não interrompe seu andar. um boné sem aba praticamente lhe cobre os olhos. a roupa é neutra a ponto de desaparecer. consigo guardar uma calça de abrigo preta. posso supor entre 50 a 60 anos, mas o rosto não mostra. o nariz tem um perfil helênico, um detalhe mínimo de beleza que não pode ser escondido. eu acredito que ela mora sozinha e em silêncio. a sacola de compras deve trazer comida para o gato, mas não traz jornais. onde estão as informações que importam para ela? no passado? há uma foto no centro da sala que resume toda a história? ou ela foi um passo além e se livrou de tudo? o que constitui essa vida?
se você falasse com ela no elevador, eu suponho que receberia um sorriso elegante como resposta, que não se deixa confundir com arrogância.
enfim. greta garbo passa e eu tenho que ir trabalhar. com a lembrança da mulher invisível e de outros que, como ela, vivem em silêncio em prédios antigos, desconhecidos dos vizinhos, cumprindo algum desígnio ou destino traçado que nos escapa. que talvez só nos seja revelado se por algum motivo se tornar o nosso.
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