domingo, março 31, 2002

Aos dezoito anos eu lia um livro por dia. Ou a cada dois, vá lá.
Hoje eu sou o que em Vanilla Sky chamaram de pleasure-delayer. Gosto de deixar cada capítulo reverberar em mim, deixar o eco se extinguir. Mesmo um bom parágrafo pode valer a pena uma pausa, o tempo de levantar, tomar uma água, olhar pela janela.
Uma quebra significativa no livro, como o final de um ciclo ou de um evento importante geralmente é o sinal para eu deixá-lo de lado e retomar no outro dia. Dormir enquanto o personagem dorme. Isso dá uma organicidade para a leitura. E ocasionalmente coisas curiosas acontecem.
Há mais do que um eco do livro no mundo “real”. Você se vê no ônibus lendo um trecho onde o personagem narra uma viagem de trem. Você se sente particularmente cansado, estica as pernas e o livro narra o fim de um dia particularmente cansativo. Ou o que é mais significativo, você sente como se o narrador comentasse a sua vida, algum aspecto muito particular daquele momento. Acontece. É uma coisa meio cortazariana, mas olha, acontece.

(E deve ser por isso que fui perdendo a coragem de ler certas coisas. Under the Volcano, o livro de Malcom Lowry em que foi inspirado o magnífico filme de John Huston, está lá na prateleira me esperando há quase um ano. Mas a estória do cônsul alcoólatra que busca o precipício desesperadamente me afasta. Olho para o livro com uma certa volúpia, mas penso de novo e de novo: eu quero experimentar esse desespero, essa estação no inferno? E a resposta continua sendo não. Sei da minha capacidade de espelhar um mood, de entrar nas botas do personagem e não quero habitar aquele corpo aflito. Sorry, Malcom.

sexta-feira, março 29, 2002

Duas loiras enormes, com muito pouca roupa sobre elas (mini-tops, mini-shorts...) entram na loja de conveniência. Ficam a poucos centímetros de mim e ignorá-las civilizadamente é quase além das minhas forças. Por alguns instantes, fica difícil lembrar o que vim comprar, qual é a senha do cartão...
Qual será a sensação de ser assim instantâneante desejável, de ter o apelo primal de um frango assado para um faminto? De minha parte, fico confuso e perturbado, tentando me concentrar e em um minuto elas partem (para a praia) e levam seus corpos claros para longe. A realidade volta a ficar suportavelmente opaca e troco civilidades com a caixa.

* A mais hard das duas, de óculos escuros, visivelmente impaciente, para quem aparentemente mesmo um minuto esperando para pagar era muito, gasta uns segundos me olhando com uma crueza que pergunta qual é meu lugar no mundo; obviamente não tenho resposta possível a não ser olhar com mais atenção ainda para a prateleira das torradas, como se a resposta estivesse lá.

quinta-feira, março 28, 2002

O outono, enfim. Mais não tenho tempo de dizer agora, mas é um conforto. Minha alma se sente voltando pra casa.

terça-feira, março 26, 2002

Noite replexa de conexões inesperadas. Falando com um amigo do passado por e-mail, interrompido por uma ex no telefone, que não entende que posso reconhecer hoje com clareza e tranquilidade o lugar dela no mundo. Não, ela me vê em alguma espécie de dívida histórica, que me forçaria a pegar um ônibus e ir até e lá e fazer sabe-se lá que juramentos que supostamente trariam equilíbrio, se não ao universo, pelo menos a nós dois. Ou recomeçaria um círculo vicioso e suspeito. Suspeito eu dessas possibilidades. Quero juras de entusiasmo ou estou satisfeito com uma admissão crítica de nossos papéis? Cartas para a coluna sentimental.

*Por uns 7 minutos, acho, ela me explica andando em círculos porque eu deveria ir até lá. Eu ando em círculos aqui também, ouvindo. Ponho músicas para ela e caminho até a cozinha. O motivo ou é muito óbvio ou totalmente incompreensível. O raciocínio oblíquo das mulheres.
Encerramos com um Ficamos Assim e nenhuma certeza. Porque os mortos não ficam mortos?

segunda-feira, março 25, 2002

Sobre o nada e Caterina

Sim, Caterina. Me tornei um habitué da página dela, mas vamos combinar que ela tem uma vida impossível. No curriculum, além de uma lista inacreditável de trabalhos e de proeficência em quase todos os softwares possíveis, ela adiciona esse pequeno perfil, sem constrangimento:

Have written screenplays, short stories and a novel. Have traveled in Europe, Asia, Australia, North and South America, Middle East and the Caribbean. Working French and Spanish. Avid skier, hiker, yoga practitioner. Continue to produce paintings, drawings and book art. References and full portfolio available upon request.

Dio mio. Quando é que ela respira? Americanos. Não é por nada que eles criaram uma expressão para definir essa ambição de fazer tudo: overachievers.

sábado, março 23, 2002

Sobre o Nada
(Eu sei, eu sei. Mas o final de semana abre espaço para divagações mais amplas.)

Eu tenho uma certa fascinação idiota com estar vivo, eu juro. Não é demagogia. Eu simplesmente nunca superei aquela perplexidade infantil com a própria existência. No final de semana, uma das minhas atividades mais comuns ainda é sentar no sofá e olhar pro nada. É como pescaria. De fora, parece incrivelmente chato, mas é a espera por um momento perfeito. Quando você tem uma sensação intensa de estar vivo, por um instante, pronto, você foi recompensado. Impossível explicar porque acontece, ou o que é, exatamente, mas. Deve ser porque o zen pareceu tão atrente pra mim.

Então Não Fazer Nada continua sendo minha atividade favorita. Seguida de ler, possivelmente. E o desenho seria a terceira. Em minhas fantasias adolescentes já imaginei uma vida em que a leitura fosse a atividade principal. Como no personagem do chofer, do filme Sabrina, que se tornou chofer para ter mais tempo para a leitura. É o tipo de fantasia adolescente que cultivo ainda, às vezes. Uma vida totalmente estável e sem demandas, em algum emprego incrivelmente low profile, para criar tempo e disponibilidade mental para a leitura. Livre das vaidades, como A Obra, A Carreira, A Relação Perfeita e por aí afora. Não é uma vida ruim, em absoluto. Ainda está lá, no fundo da minha mente. Poderia ser o cenário final perfeito.


sexta-feira, março 22, 2002

A vida editada
É tão fácil se apaixonar online. A vida editada parece tão mais interessante. Se a mulher é bonita, lida, tem senso de humor e sabe escrever então, é covardia.
É o caso de Caterina. O que dizer de uma mulher que tem um cachorro chamado Dos Pesos? I´m in love.
Até amanhã, pelo menos.

quinta-feira, março 21, 2002

A temperatura cai dez graus. É o suficiente pra vida se realinhar e parecer possível de novo. Você se vê com fome, coisa que você não sente com quarenta graus. Um tanto prematuramente vou direto para o conforto da comida italiana. De noite, em casa, frente a uma noite de tv muito promissora, encomendo uma pizza que não se comporta nada mal.

Se você não se importa de caminhar um pouco, a noite de tv eu vou descrever no tvjunkie. Mais para manter o decoro e o formato original dos sites. Gracias.

quarta-feira, março 20, 2002

Como quase todo mundo, eu nunca tinha visto um beija-flor parado. Ou morrendo. O que suspeito, venha a ser quase o mesmo.
Ele caiu na minha frente com um paf tão delicado que posso ter imaginado. De costas. Difícil saber o que tinha acontecido, mas ele estava na pior. Ainda me abaixei pra dar uma olhada e ele batia uma asinha com teimosia, mas era só. Me olhava, também, mas honestamente, o que eu podia fazer? Torcer o pescoço dele, como um cowboy com seu cavalo? Ou sair dali com ele na mão? Não sou a Dharma. Gosto de pensar que não sou o Greg, mas não sou a Dharma. Ele já estava passando dessa pra outra. Pra voltar como um caracol ou uma pedra polida.
Segundo minha faxineira, o problema é que estou de (ou com) kulundu. Na tradução dela, " de bode amarrado" . Vai saber.

segunda-feira, março 18, 2002

Segunda-feira esquálida. Almoçar no vegetariano sempre me deixa meio desanimado. Por mais que meu organismo possa se beneficiar daquilo, há uma falta de alegrias ali que me perturba. E o processo todo dura 5 minutos. Você chega, enche seu prato de verduras, toma seu suquinho, quando vê, está na rua de novo. Não me ocorre prolongar essa agonia mastigando quarenta vezes. É como sexo com a esposa de aaaaanos. É isso. Sinto falta das preliminares, de um pãozinho com azeite e beringelas...qualquer coisa. E o mistério de esperar a comida chegar em sua mesa, a expectativa.... esse negócio de buffet é de uma tristeza. É como achar a mulher nua já quando você nem pensou ainda em ficar excitado. Sob uma luz de padaria.

sexta-feira, março 15, 2002

Comer bem é a melhor vingança. Esse é um ditado que eu levo a sério..
Depois de mais uma desilusão amorosa (ainda mais uma), me presenteei com um almoço no bistrô do Margs. Poucas desilusões resistem a isso.
Um filé recheado com tomates secos e rúcula ( e um risoto discreto) foi coroado com a extravagância de mangas flambadas com cerejas e sorvete. Dio mio. Mais um expresso e saí dali flutuando. Já que ninguém me ama, pelo menos o garçom, com o amor falso dos garçons. Me reconhece, me trouxe um chopp quase imediatamente e tinha senso de humor. Como se diz (bem) em inglês, you gotta be thankful for smal blessings.

* O nome de expresso fica cada vez mais apropriado. Se criou um padrão de postings pós-almoço. Perfeito.

quinta-feira, março 14, 2002

|Notas pós-almoço:

* Um dos meus gurus gastronômicos dizia que às vezes pomos sal direto no prato só para sentir os cristais na língua.
Gosto de pensar que podemos nos importar com esses prazeres microscópicos. Ou que prestamos atenção a esses detalhes. Não consigo deixar de olhar com o horror da incompreensão para quem come sem prestar atenção.

** Um amigo sonhava com a maneira com que ia morrer e estava convencido que ia ser assim mesmo. Esfaqueado pelas costas, veja que dramático. Segundo ele, ele via a calçada chegando enquanto caía.

*** Peitos Inacreditáveis entrou sorrindo no restaurante, seguida pelo pretendente solícito. Peitos tinha motivos para sorrir. Com seus vinte e poucos anos, não precisava mais do que uma blusa justa para agradar. Mesmo assim, ela fazia o show completo. Ria das piadas dele e mexia no cabelo, sempre.

terça-feira, março 12, 2002

A mania, que pode ser catalogada como patologia-compulsão, de achar que há a coisa certa para fazer a cada momento.
Sair para almoçar sem saber onde, andando em linha reta indefinidamente, naquele estado de espírito vagamente distraído, de onde geralmente saem as boas coisas.
(Um gigantesco parênteses podia ser aberto aqui, claro, sobre a ingenuidade desse pensamento, do nosso estado de espírito influenciar a realidade de fato. Eu sei, eu sei, os defensores. Enfim.)
Almoço por fim no clássico chinês duvidoso, aquela banalização cruel da comida oriental - ou aquela comida sem nenhuma qualidade, amparada pela vaga franquia étnica.
A decoração dolorosa no olhar.E no entanto, parecia certo. Por quê?

Aftertoughts:

* A comida, triste e degradada, como era de se esperar. No entanto, misteriosamente senti alguma satisfação comendo meu macarrão.
Por um segundo, pude fantasiar que eu era um chinês comendo comida ruim na china. Just your everyday noddles.

** Casais improváveis no restaurante. Ou altamente prováveis, no tipo de falta de fluência e intimidade que eles demonstravam.
Um desconforto familiar. Acostumados a se entediar juntos. Por algum motivo eles preferem isso qualquer dia a a uma solidão decente.

*** O tipo de lugar onde até as frutas parecem tristes.

**** Depois tomei café em um lugar com pretensões e Pepe Legal voava no Cartoon Network, o que interpretei como bom sinal. Aquelas linhas
tão cuidadosamente traçadas e aquelas nuvenzinhas fakes se movendo no fundo tinham um efeito reconfortante. O mundo salvo pelos cartoons.
Talvez só sobrem eles no final. VIsão apocalíptica: uma tv em uma locadora passando cartoons em tempo integral em uma cidade vazia de habitantes.
Mas eles não sabem, e continuam perpetrando suas gags indefinidamente, enquando houver luz elétrica e cabo. Não é confortante?

segunda-feira, março 11, 2002

opening day. primeiro café servido no novo expresso, renascido das cinzas. testando a espuma, o aroma, o aftertaste.